terça-feira, 20 de janeiro de 2009

NIETZSCHE - ALÉM DO BEM E DO MAL - PRELÚDIA DE UMA FILOSOFIA DO FUTURO

Apresentação


Além do bem e do mal poderia ser traduzido como Para além do bem e do mal ou, como alguns querem, Para além de qualquer bem e de qualquer mal ou ainda Para além de bem e de mal. Seja como for, todos estes títulos refletem a mesma idéia, ou seja, como dispor o homem e, em decorrência, a sociedade para além desse bem e desse mal que a tradição, a religião, a sociedade organizada impôs ao homem, a cada um e a todos os membros em conjunto de uma comunidade. Por que bem e por que mal? Esses dois princípios que o homem vislumbrou desde os primórdios da humanidade sempre incomodaram o ser humano e sempre o deixaram perplexo, quando não desnorteados; essas duas forças antagônicas que, na realidade, nao são forças, mas inclinação, pendor, tendência de vida, de existência, de atitude, de comportamento, de projeção de si frente ao outro sempre interferiram, contudo, na vida do homem. Mas por que esses dois princípios, se o homem é o ser-junto e não o ser-só, é o ser-comunidade e não o ser-singularidade?


O problema é tão antigo quanto o mundo, é tão insolúvel quanto não deveria existir. Mas existe e subsiste, como sempre existiu e persistiu em se radicalizar como problema sem solução à vista. Diante disso, o homem procurou estabelecer outros princípios, ou melhor, normas que diminuíssem seu impacto na vida em comunidade. Serviu-se da própria convivência diuturna para minimizar essa sempiterna luta, tentando abrir caminho para a vitória do bem. Serviu-se depois da religião que propôs mil e uma formas, invocando a divindade, para erradicar o mal em benefício do bem. Nesse empenho profundo da comunidade humana, aliada à força da religião, surgiu a moral. Primeiramente a moral natural, ditando princípios amplos e simples de convivência humana. Depois, a moral religiosa que se reportava a uma divindade, a um ser superior a todos – inclusive ao próprio bem e mal – para condenar veementemente tudo o que tivesse a mínima sombra de mal, privilegiando o bem, declarando a este como emanação sublime da divindade ou como elemento primordial da própria essência da divindade.


Em Além do bem e do mal, Nietzsche discute essa problemática a seu modo. Para ele, a questão bem e mal está além da própria moral, porquanto esta estabeleceu valores que não representam a essência da sublimidade do ser humano. A moral religiosa estabeleceu normas rígidas que criou invocando uma divindade que lhe daria respaldo para ditar essas normas de coação, opressão e escravização. Mas a divindade existe?


Menos feliz ainda foi a ciência que criou verdades para dirimir não somente a dúvida sobre a essência do bem e do mal, mas para determinar que o bem é supremo e que o mal não passa de mal, no sentido natural de coisa inferior, de perversão do correto, de algo que foge aos princípios científicos que regem as leis naturais.


De igual modo, a política não trouxe solução alguma a contento. Pelo contrário, confundiu mais ainda o homem ao estabelecer um poder, um domínio, uma autoridade que nada mais representavam que opressão e supressão não só da liberdade do homem, mas de sua própria essência como ser com sua individualidade e com sua sociabilidade.


A solução de Nietzsche é simples: respirar outros ares. Mas é também complexa: voar mais alto, para o alto, acima do bem e do mal.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Pichadore vandalizam escola para discutir conceito de arte

por Laura Capriglione, Folha de São Paulo, Junho 13, 2008

Cada um dos 37 alunos do último ano do curso de Artes Visuais do Centro Universitário de Belas Artes tinha de apresentar uma obra para garantir sua formatura. Três espaços foram reservados para a exposição dos trabalhos. Trinta e seis alunos preencheram esses espaços com sua produção. Um -Rafael Augustaitiz, 24-, não.
Pichador desde os 13 anos, Rafael resolveu apresentar um trabalho diferente. "Uma intervenção para discutir os limites da arte e o próprio conceito de arte", explicou.
Nos últimos dias, os locais de reunião de pichadores no centro da cidade tornaram-se focos de recrutamento de jovens para "a ação", como se chamou. Às 21h de anteontem, horário de intervalo das aulas, 40 deles, idades entre 15 e 25 anos, compareceram ao "ponto", na estação Vila Mariana do metrô (zona sul).
"Estamos todos muito ansiosos", disse um morador do Ipiranga, que assina suas pichações com o desenho de um monociclo. A maioria dos rapazes nunca pôs os pés em uma faculdade; sua estréia no ensino superior seria justamente em um trabalho de conclusão de curso.
Em cinco minutos andando a pé, o grupo alcançou a escola. Muitos vestiram máscaras improvisadas com camisetas ou daquelas usadas para pintura com compressor. Logo, as latas de spray foram sacadas de dentro dos moletons folgados.
Os jovens pichavam suas "assinaturas" nas paredes, nas salas de aulas, nas escadas, sobre os painéis de avisos, nos corrimãos. Uma funcionária da secretaria, Débora Del Gaudio, 30, quis impedir. Levou um jato de spray no rosto.
Usando a técnica do "pé nas costas", os pichadores formaram escadas humanas (com até três jovens "empilhados"), uma forma de atingir andares superiores da fachada. Assustaram funcionários da escola enquanto escreviam aquelas letras pontudas e de difícil decifração.
Os 30 seguranças da faculdade mobilizaram-se para acabar com a farra. "Deixa eu terminar a minha frase, pô", pediu um jovem. Tomou um soco. Revidou. Virou uma pancadaria.
"Abra os olhos e verá a inevitável marca na história" e muitos símbolos do anarquismo, além das letras pontudas já cobriam o prédio, quando cinco carros da polícia militar chegaram ao local, apenas dez minutos depois de iniciado o ataque.
Enquadrado pela PM, Rafael gritava ao entrar no camburão: "Olha aí, registra, isso é um artista sendo preso."
A maioria dos alunos não achou nada legal "a ação", "a intervenção", "a obra" de Rafael. "Terrorismo. O que aconteceu aqui é terrorismo. Se isso é arte, então o maior artista do mundo é o Osama Bin Laden e o buraco das torres gêmeas é uma obra-prima", disse Alan George de Sousa, 33, do curso de arquitetura e desenho industrial.
"Eu pago R$ 1.500 de mensalidade no curso de arquitetura porque trabalho e minha mãe também dá um duro danado para me manter aqui. Aí vem um filho da mãe dizer que fez essa porcaria toda porque a gente é tudo burguesinho. Ora, vai estudar, se preparar", gritava uma aluna.
Rafael amanheceu o dia de ontem em companhia de mais seis acusados de pichação no 36º Distrito Policial, no Paraíso. Duas estudantes de publicidade da Escola de Propaganda e Marketing, que fica em frente à Belas Artes, estavam lá também, exigindo: "Essa gente tem de se ferrar." As duas acusavam o grupo de pichadores de riscar o Honda Fit cor de champagne que saiu da concessionária "há menos de uma semana".
Ontem à noite, na parte interna da escola, já nem parecia que o aluno com 40 manos tinha estado lá. Tudo estava limpinho. Às 20h30, a turma dos formandos (menos Rafael) ia se reunir para "processar esse trauma", nas palavras da coordenadora do curso de Artes Visuais, a artista plástica Helena Freddi, para quem o que aconteceu na faculdade foi "um ato de vandalismo que extrapolou os limites da ação civilizada."
No texto que escreveu para justificar "a ação", 28 páginas encimadas pelo título "Marchando ao compasso da realidade", Rafael desafia: "Somos abusados? Que se foda! É um orgulho para vocês eu estar dentro dessa podre faculdade. Não sou seu filhote, não preciso do seu aval. A arte hoje em dia é para quem está na pegada. Para os bunda-moles ela morreu faz é tempo." O curso de Artes Visuais tem mensalidade de R$ 900. Rafael é bolsista integral.


Seguranças da faculdade agridem jovem que participou de pichação



Adolescentes escalam paredes com a ajuda de colegas para pixar escola em São Paulo
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Pichações

CONTARDO CALLIGARIS - Folha de São Paulo, Junho 19, 2008
O pichador impõe sua assinatura na cidade como as grifes tentam fazê-lo no corpo da gente NA SEMANA passada, em São Paulo, um estudante de artes visuais da Belas Artes recrutou 40 pichadores para pichar sua escola. Ele declarou que esse seria seu trabalho de conclusão de curso, "uma intervenção para discutir os limites da arte e o próprio conceito de arte". A "prova" foi interrompida por seguranças e pela polícia.Nos anos 1950, em Milão, vi minha primeira pichação. Era um resto do passado. O fascismo (sobretudo em seus sobressaltos finais, em 1944) escrevia motos triunfalistas pelos muros da parte da Itália que ainda controlava. No caso, a escrita original dizia "venceremos", assinado pelo "M" de Mussolini. Alguém completara a inicial "M" de maneira que o signatário daquela patética declaração fosse Macário, um comediante famoso.O regime tinha coberto a pichação com uma mão de tinta, mas ela continuava legível. Duplo escárnio: na pichação e na futilidade da tentativa de apagá-la. Nos anos 1960, pichei a minha parte. Já contei esta história: numa noite de 68, com amigos, cobri a universidade de Milão com o nome de um novo semanal: "Servir ao Povo". Outros pichadores, em horas mais altas do que as da gente, acrescentaram, embaixo de nossas pichações, um comentário (com o qual, aliás, eu concordava): "Eu não sirvo a ninguém, que o povo se sirva sozinho". Nesses dois casos, as pichações eram políticas: tentavam envolver o leitor no diálogo e, eventualmente, na ação. As coisas mudaram. Nos anos 1980, no metrô de Nova York, os vagões eram cobertos por dois tipos de "intervenções" (que nem sempre eram fáceis de distinguir). Os grafites quebravam a monotonia urbana inventando e impondo uma revolta estética. As pichações propriamente ditas eram "tags", assinaturas: delimitavam, no espaço público, as zonas de influência e de alcance das gangues -como quando um cachorro demarca seu território depositando um pingo de urina em cada poste. A resposta da prefeitura foi o trabalho incansável de apagar; o cuidado com a coisa pública não desistiria: "A rua é de todos -se você a assina de noite, apagaremos seu nome de dia, a cada dia". Claro, a distinção entre grafites e pichações não é estanque. Um pichador, como Jean-Michel Basquiat, tornou-se um grande artista, em grafites e telas, e algumas raras pichações têm uma beleza caligráfica. Além disso, nem todos os pichadores de hoje são apenas "assinatários" compulsivos; alguns se consideram vanguarda artística -devem pensar, por exemplo, que eles assinam os muros como Marcel Duchamp podia assinar um urinol e, pela virtude de sua assinatura, transformá-los em arte.Mas o gesto de Duchamp era, entre outras coisas, a denúncia irônica e premonitória de uma arte em que a assinatura do artista contaria mais do que o objeto produzido. Ao passo que, a partir dos anos 1980, em sua grande maioria, os "tags" (marcas e assinaturas) parecem participar do espírito da época: eles manifestam uma paixão abstrata de marcar o mundo não por mérito ou por graça, mas a ferro e fogo. No fundo, a vontade de pichar, hoje, é o equivalente "hip", "pop" e violento, no hábitat urbano, do que leva as grifes a querer "tatuar" o corpo da gente. Alguém dirá que o pichador, numa sociedade de "egos" vaidosos, tenta apenas conquistar um lugar ao sol. Cá entre nós, não é verdade que, no Brasil de hoje, por mais desigual e injusto que o país seja, o jeito que sobra para deixar sua marca consista em contribuir à feiúra e à brutalidade ambientes pichando a assinatura da gente. Há mais o que fazer, inclusive no campo das intervenções urbanas não autorizadas pelo poder público.Ao jovem estudante da Belas Artes, aconselho que se debruce sobre as "intervenções" produzidas o tempo todo por artistas nacionais. Uma que acho tocante, entre tantas, é a de Tom Lisboa com suas polaroides invisíveis, em Curitiba (www.sinTOMnizado.com.br/tomlisboa). Se eu fosse a Belas Artes, constituiria um júri isento de artistas, arquitetos e professores e proporia ao candidato um teste: que ele olhe para dez fotografias da paisagem urbana paulistana e diga não o que ele conhece (isso, provavelmente, ele consideraria intolerável e repressor), nem suas especulações sobre arte ou sociedade, mas, simplesmente, o que ele vê. Se ele souber ver, bom, que sua pichação valha como trabalho conclusivo. Afinal, ele está terminando um curso de artes visuais.

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Escola expulsa aluno que vandalizou prédio para discutir conceito de arte

Faculdade diz que está interessada em discutir os limites da liberdade de expressão; abaixo-assinado tenta reverter decisão

http://www.petitiononline.com/expulsao/petition.html
LAURA CAPRIGLIONE, FOLHA DE SÃO PAULO, JULHO 18, 2008

O estudante Rafael Guedes Augustaitiz bem que tentou um diploma superior. Durante quatro anos, ele cursou como bolsista o Centro Universitário Belas Artes, na Vila Mariana.Vencidos todos os créditos, bastava apresentar um TCC (trabalho de conclusão de curso) para conquistar o título de "bacharel em artes visuais". Mas, ontem, ele recebeu o aviso do reitor Paulo Antonio Gomes Cardim: foi expulso da escola.Motivo alegado: "Prática de atos de vandalismo, lesivos à propriedade particular e (...) incongruentes com o espírito universitário; agressão ou ofensa a funcionários; ato sujeito a ação penal".A escola não levou na esportiva o que aconteceu em 11 de junho, quando Augustaitiz apresentou o que considerou seu TCC. Nas palavras dele, tratava-se de "ação performática e de protesto para discutir os limites e o conceito da arte".Na prática, o que se viu foram 40 jovens armados com sprays, chegando todos juntos a pé, muitos deles mascarados, por volta da 21h, e sacando, de repente, as latas que escondiam sob as roupas. Cobriram a fachada, recepção, escadas e salas de aula com as letras pontudas de difícil decifração que caracterizam a pichação paulista.Seguranças e pichadores trocaram socos e pontapés por dez minutos, até que chegou a PM e levou sete jovens presos -Augustaitiz, entre eles.No dia seguinte, a escola já limpara os rastros deixados pelos pichadores. "O impulso e a cegueira fizeram com que apagassem a minha obra. Quem vai me indenizar?", pergunta o estudante, a sério."Considero criminosa a ação do aluno. Não considero esta ação como arte. Não considero a possibilidade de aceitar essa manifestação como trabalho de conclusão de curso", tachou Helena Freddi, professora de Augustaitiz, em carta endereçada ao reitor, dias depois.A faculdade -que outorgou em abril o título de professor honoris causa ao prefeito Gilberto Kassab, pela implementação do Cidade Limpa- montou uma comissão de inquérito para decidir o que fazer. Presidida pelo advogado Carlos Alberto Rufino, dela participaram a chefe da biblioteca, Leila Rabello, e Marco Antonio Frascino, professor de legislação e ética em publicidade. Foi nessa comissão que se formou a convicção pró-desligamento.Segundo o supervisor acadêmico Alexandre Estolano, a faculdade está, sim, interessada em discutir "limite e transgressão". "Mas não desse jeito. Vamos patrocinar um seminário sobre o tema, em agosto.""Limite e transgressão, até onde vai a arte e a liberdade de expressão", segundo o texto de divulgação, serão debatidos por "jornalistas, artistas consagrados, colecionadores de arte, galeristas, curadores de museus". E por nenhum pichador.Ontem, começou a circular um abaixo-assinado em solidariedade ao expulso, pedindo que a escola dê a ele a chance de se defender: ""Pixação" pode ser crime (?), mas também é arte, e a faculdade perdeu a chance de surfar na vanguarda da mais moderna e atual de todas elas. Sempre foi assim. O Moma (Museu de Arte Moderna de Nova York) torceu o nariz para os trabalhos de Andy Warhol e Basquiat foi ridicularizado pelos mesmos acadêmicos que hoje o idolatram. A arte de verdade incomoda e às vezes demora a ser entendida".Entre os signatários, estão os grafiteiros Otavio e Gustavo Pandolfo, Osgemeos, cujo trabalho está até agosto em exposição na Tate Modern, em Londres. No dia 3 de julho, um mural gigante da dupla, na Bela Vista, foi coberto com tinta cinza por uma empresa a serviço da prefeitura.

UMA CHANCE PARA AS ‘BELAS ARTES’ ALÉM DAS NOMEAÇÕES: UM ELOGIO AO TERRORISMO POÉTICO DE RAFAEL AUGUSTAITIZ.

Aldo Victorio [1] UERJGustavo Coelho [2] UERJ


Tomando como ponto de partida a condição inerentemente estética inseparável do acontecimento humano, em especial, de toda a produção humana, uma urgente questão merece ser nietzschianamente proposta: quais os pressupostos que autorizam, ou melhor, naturalizam as invencionices dos processos de julgamento e categorização tão necessários à sobrevivência de uma lógica que, através da recusa, constrói suas sutis e marcantes distinções entre, a grosso modo, o que pode ser “gosto culto” e “gosto vulgar”? E neste sentido, é mais que evidente a simpatia e a confortabilidade da Arte em sua contínua e anacrônica inclinação, ou melhor, quase total tendência em favor da primeira categoria. Sendo assim, a meu ver, é justamente sobre “vontade de distinção” que se sustenta este projeto “porta-voz” da oficialidade da Arte. Em detrimento de uma série de outras produções, outras estéticas, julgadas em seu proveito como imorais, banais, bárbaras, ou ainda vulgarmente populares; esta Arte trama suas redes de hierarquizações amplamente necessárias, como pilares para seu ilusório estado de planagem por sobre a vida. Em última instância, a Arte é inerentemente dependente direta desta distância por ela mesma sagazmente arquitetada, ou melhor, da sua aparência superior auto-justificada a fim de uma sobrevivência ingênua no conforto do inatingível. É justamente neste semblante confortável, que a instituição Arte anuncia, sem querer e sem se dar conta, o seu próprio aspecto frágil. Ou melhor, sem perceber, o próprio cerne da sua ação já é a prova da falência de um projeto legitimador de feitos, uma vez que os mesmos, justamente por serem humanos, não necessitam para si, nenhum saber transcendental capaz de julgá-los. Em outras palavras, no próprio momento em que ela justifica sobre si mesma uma auto-autoridade licenciada a julgar, fica evidente a um olhar mais atento, seu inescapável teor falsificador.Na nossa contemporaneidade, o fenômeno da metrópole surge, a meu ver, como um manancial de produções estéticas em fricção indisciplinada e desregrada, em outras palavras, torna-se um terreno fervilhante para evidenciar o aspecto polifônico do acontecimento vida em sua completude, ou melhor, para além do bem e do mal. Desta maneira, a ebulição de produções acontecendo fora dos certames do sítio da Arte gritam sua sobrevivência, não querendo nem saber de legitimidades, não perdoando nem mesmo suas grades, seus muros, nem suas marquises. De todo modo, a Arte, ou melhor, as Belas-Artes, longe de encarar este desafio de frente, peidam em prol de uma essência, e perdem, a cada novo distanciamento, a chance de abandonar seus viciados discursos, a chance de finalmente conviver entre o desmantelado, o imperfeito e a estética.Entendida a estética como emanação fundante da condição humana, certamente, essa energia e imanência, que fez a invenção da palavra e faz a permanente fabricação dos enunciados, não poderá ser reduzida ou exilada a este ou aquele regime de verdades e sistema normativo, seja de qualquer ‘arte’ vinculada a qualquer ‘cultura’, arte ou a literatura. Pois, a palavra - criação humana maior, que há alguns milhares de anos, entre tantos caminhos, nos possibilitou a culpa que nos impede chafurdarmos no profundo pântano das pulsões - quer urrar, quer romper as prisões institucionais que sustentam a idéia da civilidade assim como as adequações aos seus sistemas. A palavra rompe suas codificações, reinventa-se e aos seus registros, ultrapassa a literatura que a libertara e transpassa as artes que a incorporara. A palavra foge da boca humana e reverbera da goela da cidade.A cidade, que não deu conta do seu projeto de acolhimento, proteção e conforto de seus habitantes, é um precioso exemplo das frustrações da civilidade. Entre os seus muros, por trás de cada concentração de poder e validações simbólicas, insinua-se o desespero de uns e de outros pelo preenchimento impossível do fundo sem fundo humano que se reflete nos vazios nem sempre visíveis da cidade. E essa busca pela organização do aparente caos é o que, a um só tempo, nos humaniza e nos revela inumanizáveis... Desse processo surgem os saberes, belezas e suas hierarquizações. E sobre tais desesperos ocultados, predominam e reluzem as práticas burguesas, as éticas cristãs e as morais civilizatórias ainda hegemônicas na cidade.A arte a serviço da mecânica capitalista, que a criou e mantém, alimenta, a seu modo, o jogo das localizações sociais, na medida em que respalda a instituição dos valores estéticos circulantes. Assim, a arte corroborara, com o que guarda e concentra de energia estética, com a mágica e a imagética da institucionalização dos sistemas culturais. Dá cara e coroa à academia, ao poder instituído e demais organizações que estruturam a cidade. Mas, não lhe garante uma alma una e controlável. Inexoravelmente partidária, a arte frauda a legitimidade de belezas e as suas territorializações. Como criação e instância legalizada, a arte colabora ativamente com as diagramações sociais inseparáveis da perversidade da cidade.Contudo, a despeito do poderoso jogo de cena que edita e publica toneladas de verdades e seriedades, a pulsão estética, aquela velha e ativa energia que inventou a palavra e a ação dita humana, não lê nem respeita o que lhe desautoriza e tenta ordenar. Invade nômade, brincalhona, inoportuna e indigesta as cenas da cidade. Já que esta última ludibriou seu próprio projeto e manual de verdade, já que no lugar do abrigo impõe a deserção, não tem como impedir sua transmutação em uma espécie de palimpsesto imenso, livro aberto a qualquer escritura... livro vazio de verdades fixas e pleno de devir. A cidade madrasta dos rebeldes vira corpo das cicatrizes estéticas dos embates das suas escolhas. Insone, delirante, emerge do limbo das contradições como tela aberta aos que abandonou.É, portanto, como tática de impacto que, lançando mão de um, ao menos aparente domínio articulado de uma gramática legitimada oficialmente, habitaremos com ares de vírus camuflados, ambientes previamente inculcados como naturalmente confortáveis. Ocupando tais lugares de discurso, buscamos a promoção de uma auto-denúncia do arbitrarismo simbolicamente violento que ousa auto-distinguir uma espécie humana autorizada a categorizar em seu proveito, quais os feitos humanos passíveis de contemplação, ou melhor, mais adequados ao sono confortável da cidade que promete a segurança. Em outras palavras, às que mesmo inodoras, exalam pretensiosos perfumes civilizados que, por só ainda sobreviverem graças a um secular projeto baseado em recusas, sustentam sua simpatia “tão artística”, “tão humanizada”. De todo modo, nada dessa pretensão tem sucesso de dimensões maiores que de um bairro, ou melhor, de um condomínio, ou de um pequeno ateliê ou ainda em menor escala, de uma academia. Qualquer mínima vivência desprotegida da cidade, qualquer primeira vista do acontecimento estético “metrópole”, prova tais limites territoriais, e em última instância denuncia a pretensão à naturalidade, própria de qualquer estetismo que, em sua irrelevante e óbvia minoria se intitulam “mais bem capacitados para discernir o belo”.De todo modo, o mau-cheiro da cidade é tão pulsante, tão indisciplinadamente encantador que qualquer mínima ação em favor de seu desprezo, ou ainda de sua aniquilação, só alimentará com novos temas, a ironia sagaz do arteiro que vive na pegada, “nada querendo saber sobre legitimações”. E é nisso que mora sua potência incontrolável. De todo modo, mesmo com todo este manancial de possíveis reavivamentos na contemporaneidade, a Arte ainda cisma, talvez até como um instinto de conservação, manter seus pilares do distanciamento, da distinção, de seu aspecto mascarado de superior. E assim, tece suas simbologias, suas maneiras de fazer como instrumentos para sua auto-segurança risível. Sobre este instinto de proteção, de assepsia, ou melhor, de distinção:


...compreende-se que a maneira de usar bens simbólicos e, em particular, daqueles que são considerados como os atributos da excelência, constitui um dos marcadores privilegiados da ‘classe’, ao mesmo tempo que o instrumento por excelência das estratégias de distinção, ou seja, na linguagem de Proust, da ‘arte infinitamente variada de marcar distâncias’. (BOURDIEU, 2007, p. 65)

Neste sentido, enquanto as outras lógicas, as outras estéticas, ou melhor, a imensa maioria delas continuar percorrendo e habitando ambientes periferizados, ou seja, que não impliquem qualquer desconforto ao legítimo, cada qual viverá independente do outro, sem nem querer saber do outro. É neste sentido que, mais uma vez, a metrópole emerge como força propagadora de novos encontros, muito possivelmente dissonantes. E a partir daí, no alto de suas vaidades, o legítimo se auto-prescreve a necessidade de pronunciamento, afinal, carrega sobre si a responsabilidade de porta-voz da humanidade, ou ainda mais pretensioso, dos feitos, das obragens humanas. Assim, as forças que na centrifuga da cidade não se aquietam nos seus lugares de destino prescritos, encontram, às vezes por acaso, às vezes taticamente, locais cuja oficialidade torna-se tema risível e leve, ou seja, como de fato são quando desvestidos de seus constituintes invólucros falsificadores, prazerosos somente aos que dele se impulsionam para cima. E quando há este encontro, refestela-se o poder, justificando assim, contra as forças que saíram de seus “devidos lugares”, o trabalho viciado em nomeações – vândalos.
A cólera do credor lesado, da comunidade, manda-o de volta ao estado selvagem, [...] a comunidade o expulsa e contra ele já se pode cometer qualquer ato de hostilidade. (NIETZSCHE, 2007, p. 69)


O que nos levou à reflexão acima esboçada foi um importante evento ocorrido ao fim do semestre passado no Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Um jovem formando apresentou como trabalho final de graduação uma técnica e linguagem expressiva que há muito pesquisa e pratica, conhecida popularmente como ‘pichação’. Rafael Augustaitiz, quando entrou na faculdade já era autor de muitas obras nesse tipo de linguagem. Em momento algum cogitou renunciar a sua linguagem de escolha e ao seu pertencimento cultural/estético, tendo, inclusive, durante o tempo que freqüentou a faculdade, ‘pichado’ inúmeras superfícies urbanas.Nada mais compreensível que a tensão entre a ortodoxia da instituição de ensino (ortodoxia mais que afirmada pela reação assustadoramente conservadora da própria ‘Belas Artes’ que, diga-se de passagem, não traiu seu nome...) e a postura e ação abusada do rapaz.A tensão apontada está justamente no embate, nas palavras de Boaventura de Souza Santos, entre a força reguladora e as energias emancipatórias. Rafael pichou paredes, divisórias, mobiliários e a arquitetura da faculdade. Não fosse uma instituição supostamente voltada para o ensino da arte, ele poderia tranquilamente ser aniquilado pelo sistema de crenças que cuidam da higiene da cidade como cenário estéril para os corpos e mentes disciplinados. Mas, a razão da presença e ação de Rafael era justamente o aventado sentido institucional: formar artistas, professores de artes, etc... Então, não seria fácil digerir Rafael e suas obras, afinal elas têm o tamanho da cidade de São Paulo, que cresce sem parar para todos os lados, sobretudo para aqueles que o ‘bom gosto’, a ‘racionalidade’, o ‘bom senso’ e a ‘boa educação’ não querem olhar... Não seria fácil, nem possível esconder Rafael e impedir que seu feito nos levasse a pensar sobre os sentidos desse ensino de arte, abreviador de qualquer investimento filosófico na análise dos trabalhos de seus alunos. Rafael nos impõe pensar sobre a gravidade do cenário educacional que ainda se vale, rápida e violentamente, dos constrangedores recursos capazes de alcançar o senso comum de uma classe média anestesiada, como tentativa de dar conta da interrogação que Rafael gravou indelevelmente nas paredes da ‘educação artística’.A tal ‘Belas Artes’ alheia, como o demonstra de forma inequívoca os gestos de seus dirigentes, a toda uma velha discussão sobre os sentidos e limites da produção estética, sobre outorgas e experiências, parece desconhecer a imensa produção contemporânea da arte outorgada e das manifestações estéticas desautorizadas, mas não menos interessantes aos grandes teóricos e intelectuais da Arte. Assim, outro aspecto a ser evitado, com a redução do instigante trabalho de Rafael, é o distanciamento daquela instituição ao que alimenta a pesquisa em artes na maior parte das instituições realmente devotadas ao seu estudo e ensino destituídos de pudores falsificantes, ou melhor, calmantes do que é friccional e fervilhante.Quem lida com a estética têm que ter corpo e o simples fato desta existência do corpo em seu estado dilatado, já empurra para longe qualquer necessidade de legitimação que possa prescrever uma alimentação da potência do acontecido. Sendo assim, talvez seja justamente a força de independência tão presente no trabalho do Rafael, o ingrediente que mais tenha causado os enjôos conhecidos nas reações já previsíveis de tais ‘Belas Artes’ que, sem medo de errar, tornaram-se, como todo reducionismo conservador, motivos de ironia para uma juventude que ao “nada querer saber” sobre isso, garante sua sapiência.Também sem medo de errar, plenas de convicção, sob suas crenças na civilidade de suas ações como indiscutíveis sustentadoras de suas só aparentes feições de saúde, tais ‘Belas Artes’, sem saber, esconderm o flagrante óbvio para um olhar sem tantos vícios, seu estado terminal. Rafael então surge como um equipamento de choque desfibrilador, uma chance de sobrevivência, ou melhor, de ressurreição fora das convicções restritivas para as ‘Belas Artes’ que, mesmo sem palavras, retoma suas nunca perdidas vaidades de ares superiores, planando por sobre os homens. Em suma, prefere, sem nem dar conta, perder esta chance.E nem precisava de tantas palavras bem articuladas, se bem que, como já falamos, para o jogo das aparências podemos utilizá-las como tática. Bastava ouvir em elevados decibéis a sensatez do desequilíbrio: em palavras do próprio Rafael: “Somos abusados? Que se foda! É um orgulho pra vocês eu estar dentro dessa podre faculdade. Não sou seu filhote, não preciso do seu aval. A arte hoje em dia é pra quem está na pegada. Para os bunda-moles ela morreu faz é tempo.”
Em simpatia com a idéia da totalidade da vida, a meu ver, tais ‘Belas Artes’ só se libertarão de seus invólucros constitutivos, na medida em que for se confortando com a idéia de infidelidade a verdades, a morais, ou seja, se confortar no trânsito do próprio fazer estético em seu aspecto completo, incluído aí as infidelidades aos valores. Em outras palavras, trafegando pelo desmantelado e pelo imperfeito sem seus ainda claros desejos de eliminação, ou melhor, de preservação de si. É exatamente neste sentido que Rafael é, ou deveria ser, se é que ainda não será, como ele, sabiamente declara, um orgulho não só para o Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, mas para a genérica ‘Belas Artes’ em si. Talvez ainda haja tempo.
“cada verdade pode permanecer tal justamente porque se modifica. Então, o sentido profundo de ser fiel a uma verdade é o de traí-la. Somente traindo a verdade permanece-se fiel a ela.” (CANEVACCI, 2001, p. 42)Os nômades nada esperam da cidadela atravessada e não a desejam ocupar. É apenas uma coincidência ela surgir no caminho vagabundo dos primeiros. Como chegaram, artistas em transe e trânsito permanente, partem sem se importar com o que é feito e com o que é pensado nos intestinos das ruínas intactas que apavoradas os rejeitam. Em seu fluxo e devir, com seus olhares delirantes e suas criações alegres e ferozes, os nômades, belas crianças, da cidadela triste e rancorosa, nem se aperceberam...Rafael é uma preciosa notícia!
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[1] Graduado em Gravura pela Escola de Belas Artes (UFRJ) e Licenciado em Educação Artística. Mestre e Doutor em Educação (ProPEd - UERJ). Professor adjunto do Instituto de Artes (UERJ). Contato: avictorio@gmail.com
[2] Bacharel em Comunicação Social (UERJ). Mestrando em Educação (ProPEd – UERJ). Contato: coelhoguga@gmail.com

Cerca de 30 pichadores invadem galeria de arte e danificam obras expostas

Folha de S.Paulo - 9 de Setembro de 2008
Daniela Mercier
Colaboração para a folha

Um grupo de pichadores invadiu, no último sábado, a Galeria Choque Cultural, no bairro de Pinheiros (zona oeste de São Paulo), e danificou 20 obras de arte expostas no local.A galeria é voltada à divulgação e à venda de trabalhos de arte underground, como grafite e design gráfico.A ação foi organizada pelo artista Rafael Guedes Augustaitiz, o Rafael Pixobomb, que foi expulso do Centro Universitário Belas Artes em julho deste ano, por organizar uma pichação no prédio da faculdade.Os pichadores fazem parte do movimento intitulado "PiXação: Arte Ataque Protesto", que tem como meta protestar contra a comercialização da arte de rua.De acordo com o grupo, a galeria não representa a cultura urbana, e seus criadores não fazem parte do movimento de rua.Entre as obras danificadas estão quadros de Gerald Laing, referência inglesa da pop art, e do artista de rua brasileiro Daniel Melim.InvasãoA galeria estava em funcionamento quando o grupo de cerca de 30 pessoas, segundo informações do boletim de ocorrência, invadiu o local e pichou paredes, quadros e outros objetos em exposição. A ação durou aproximadamente cinco minutos.O grupo foi chamado a fazer a pichação por meio de um "convite" enviado por e-mail, que dizia o seguinte: "Evadiremos com nossa arte protesto uma "bosta" de galeria de arte segundo sua ideologia abriga artista do movimento underground. Então é tudo nosso [sic]".Procurado pela Folha, Augustaitiz não quis comentar a pichação e disse que "a ação falava por si mesma".Baixo Ribeiro, um dos proprietários da Choque Cultural, afirmou que o evento teve "pouca importância" e não quis falar mais sobre a invasão ocorrida.Na tarde de ontem, um boletim de ocorrência foi registrado no 14º Distrito Policial de São Paulo.Segundo o DP, o proprietário já foi notificado para fazer representação contra o grupo, condição para abertura de inquérito no caso de um crime de natureza privada. O caso foi classificado como dano ao patrimônio.Belas ArtesNa época em que Augustaitiz organizou a pichação no prédio da Belas Artes, ele alegou que a ação fazia parte do seu TCC (trabalho de conclusão de curso) em artes visuais. Augustaitiz não chegou a se formar.Participaram da ação, ocorrida em 11 de junho, 40 jovens portando sprays. Eles chegaram à faculdade juntos, a pé, muitos deles mascarados, por volta das 21h, com latas escondidas sob as roupas. Cobriram a fachada, a recepção, as escadas e as salas de aula com letras pontudas que caracterizam a pichação paulista.A Polícia Militar deteve sete jovens -incluindo o formando Augustaitiz.




(+) opinião

Autores de ação não conhecem contexto da arte

Fabio Cyprianoda reportagem local
Protestar contra a comercialização da arte por parte de galerias de arte é desconhecer o papel que esses espaços exerceram e exercem como local de experimentação e não apenas pelo valor mercantil que imprimem ao circuito.
Foram em galerias comerciais que alguns das mais radiacais ações na história de arte aconteceram, como a performance de Vito Acconci, na Sonna-bend Gallery, em Nova York, em 1972, quando o artista se masturbava sob um tablado por sei horas.
A ação foi considerada tão importante que foi reencenada, há dois anos, por Marina Abramovic no Guggenheim de Nova York. Sem galerias "comerciais" a a histéria da performance, modalidade que pode ser considerada tão alternativa quanto o grafite, seria diferente.
A Choque Cultural é hoje um local já estabelecido que faz esse tipo de intermediação, isso é, incorpora uma ação artistica mais radical, como o grafite, que tem na rua sua origem, ao espaço mais convencional da arte, o chamado cubo branco, que sempre precisa de renovação.
Uma ação de "pixação" tem um caráter muito mais oportunista. Trata-se de uma ação vazia, de quem não conhece o contextoda arte, mas está é em busca de 15 minutos de fama, como dizia Andy Warhol, outro artista que sabia usar o espaço comercial para repensá-lo.
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Arte de ponta-cabeça

A invasão de uma galeria por pichadores põe em discussão os limites entre crime e arte
Ivan Marsiglia - O Estado de S. Paulo - 14 de Setembro de 2008


"Ataque tsunami!", gritou alguém, e a ação não durou mais do que cinco minutos contados no relógio. Às 4 da tarde de sábado, a poucos metros da movimentada praça Benedito Calixto, em Pinheiros, cerca de 30 jovens invadiram a galeria de arte, sacaram latas de spray das bermudas largas e picharam quadros, paredes e objetos em exposição. Uma névoa de tinta acrílica tomou as salas, como um fluorescente fog paulistano. E, antes que ele se dissipasse, não havia mais ninguém ali. Apenas duas funcionárias trêmulas e atônitas. Semana passada, os sócios da galeria paulistana Choque Cultural viveram na pele o conceito expresso no nome da casa. Acostumados a lidar sem problemas com a chamada cultura de rua, do graffiti à tatuagem, passando pela moda e o design gráfico, Baixo Ribeiro, Eduardo Saretta e Mariana Pabst Martins (filha do pintor cearense Aldemir Martins) ficaram - não há outra palavra - chocados. "Já fui pichador e respeito o trabalho deles, mas fomos agredidos e não queremos falar sobre isso", protestou Eduardo, que até agora não reabriu a galeria.A cena dos pichadores em São Paulo é um universo misterioso de anônimos e pseudônimos. Um dos poucos que se expuseram publicamente foi Rafael Guedes Augustaitiz, de 24 anos, o "Rafael Pixobomb", jovem de família pobre do município de Itapevi, região metropolitana da cidade, que idealizou a invasão da galeria e também do Centro Universitário Belas Artes, na Vila Mariana, em julho. Naquela ocasião, na noite de apresentação de seu trabalho de conclusão de curso, Rafael chegou à faculdade com 40 rapazes encapuzados e fortemente armados de latas de spray. Em poucos minutos, cobriram de tinta a fachada, a recepção, as escadas e as salas de aula. Houve briga com seguranças e funcionários. Rafael foi preso pela PM. Até esse dia, ele cursou a Belas Artes graças a uma bolsa de estudos e já tinha cumprido todos os créditos para se formar. Foi expulso e o TCC, que segundo disse visava a discutir os limites da arte, reprovado. Nunca se explicou. "A ação fala por si mesma", costuma dizer. "Foi uma manifestação contra a domesticação da arte de rua, transformada em mercadoria", interpreta o fotógrafo Choque, de 22 anos, outro que não ousa dizer o nome e que documenta, desde 2006, a cena dos pichadores em São Paulo. Choque, cujo apelido nada tem a ver com a galeria Choque Cultural, esteve presente e fotografou os dois ataques comandados por Rafael Pixobomb. Conta que ele é tido como herói na comunidade de jovens que escalam fachadas e edifícios para proclamar sua versão particular do cogito: picho, logo existo. "É uma luta por reconhecimento, eles querem se tornar visíveis para a sociedade", acredita o fotógrafo, para quem o pichador típico trabalha como motoboy ou em subemprego, é oriundo de um lar desestruturado e trata seus colegas de grupo como "família". Nos encontros semanais que promovem à noite no centro da cidade, os pichadores costumam levar folhas de papel sulfite com suas garatujas, que autografam e trocam como se fossem figurinhas. Para o também fotógrafo e jornalista João Wainer, de 32 anos, que finaliza um documentário sobre o assunto, outra grande motivação é a adrenalina, o prazer do risco, que fascina tanto esses rapazes pobres da periferia quanto os garotos de classe média que descem a Maresias, no litoral paulista, em busca da onda perfeita. "Não se trata de ser contra ou a favor da pichação", ressalta João. "Ela é crime, ponto final. Agora, isso não nos impede de querer entender seus motivos, lançar uma luz sobre o fenômeno", explica. O filme, que será lançado no final do ano pela produtora Sindicato Paralelo, acompanha ações vertiginosas desses pichadores, galgando sem qualquer preparo ou equipamento de segurança verdadeiros arranha-céus para deixar sua marca nos pontos mais inacessíveis da cidade. O título provisório, A Grande Arte da Pichação de São Paulo, pode parecer exagero ou condescendência para com uma atividade que emporcalha áreas públicas e privadas da cidade, mas refere-se, antes, ao novo olhar que essa forma de expressão urbana tem recebido da parte de estudiosos em antropologia e artes visuais em todo o mundo. A exemplo do graffiti, que aos poucos conquistou reconhecimento como manifestação artística, a pichação está deixando de ser associada apenas ao que o Código Penal brasileiro chama, no artigo 163, de crime de dano contra o patrimônio. "É crime e é arte", resume Martha Cooper, legendária fotógrafa do New York Post que registrou a cena nova-iorquina da street art nos anos 70 e 80. O próprio Rafael Augustaitiz tem como guru o escritor e ensaísta norte-americano Hakim Bey, autor da máxima "arte como crime; crime como arte". Hakim pregava ações de "terrorismo poético", como a invasão de apartamentos para, em vez de roubar, deixar objetos que surpreendessem e transformassem a vida do proprietário. O fato é que São Paulo, ao lado de Barcelona e Melbourne, está na vanguarda desse movimento no mundo. Entre os apaixonados pela pichação paulistana está o cineasta chileno radicado no Canadá Pablo Aravena, autor do documentário Next: Histórias do Graffiti. "Escrever em um prédio como se ele fosse um livro, uma mídia, é um conceito muito sofisticado para mim", afirma Aravena em um trecho do filme de João Wainer. O motivo de tanto interesse pelos rabiscos muitas vezes ininteligíveis da capital paulista está ligado à origem e ao estilo de sua caligrafia. A pichação surgiu em São Paulo nos anos 60 e 70, nas frases de protesto contra a ditadura militar. Depois, reapareceu em forma de rebeldia sem causa, ou mensagem comercial, em meados dos anos 80. Ficaram célebres as inscrições "Juneca Pessoinha" e "Cão Fila Km 26".Aos 38 anos, o grafiteiro Juneca não se considera mais pichador. Vive de seu trabalho, de de aulas e oficinas que ministra. "Nunca imaginei que um dia seria artista plástico", conta. "E foi a pichação que me fez descobrir esse caminho." Alvo da perseguição implacável do então prefeito Jânio Quadros, Juneca parou de grafitar novamente por causa do projeto Cidade Limpa, da atual administração municipal - que outro dia apagou um mural na avenida 23 de Maio de autoria dos grafiteiros Os Gêmeos, que já expuseram na galeria Fortes Vilaça e até na Tate Modern de Londres. Os Gêmeos, que subscreveram um abaixo-assinado pela reintegração de Rafael ao curso da Belas Artes, sempre se disseram influenciados pela pichação paulistana, com sua tipologia uniforme e vertical conhecida como "tag reto". Diferente de tudo o que há no gênero no mundo, ela é inspirada em um tipo de letra comum nos discos de punk e heavy metal da década de 80, quando a moda era usar o alfabeto rúnico, dos vikings. "É curioso ver como a tipologia dos bárbaros nórdicos veio dar aqui, nos povos bárbaros de São Paulo", brinca Choque. Ao "atropelar", na gíria da tribo, instituições como a Belas Artes e a galeria Choque Cultural, Rafael Augustaitiz, que domina o desenho e o graffiti, faz o caminho oposto ao de Juneca e opta pelo radicalismo da pichação. Rumores dão conta de que sua próxima "arte" terá como alvo a Bienal de São Paulo. Procurado pela reportagem, Rafael não quis dar entrevista. "Palavras não fazem meu tipo", declarou, em frase paradoxal para um pichador. Mas enviou uma citação do filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "Como falta tempo para pensar e ter sossego no pensar, não se estudam mais as opiniões divergentes: contenta-se em odiá-las."Para João Wainer, a galeria atacada perdeu a oportunidade de abrir a cena do crime ao público e transformá-la em exposição. Para ele, vale a pena parar para pensar na feiúra das pichações paulistanas. "Se você esticar a cabeça para fora da janela vai ver a dimensão que isso tem na vida urbana", diz. Um tsunami que o Cidade Limpa com suas latas de tinta branca não consegue encobrir.



Bienal abre no sábado com ameaça de pichação

FABIO CYPRIANOda Folha de S.Paulo - 24/10/2008

A Fundação Bienal de São Paulo preparou um esquema de segurança especial para os primeiros dias da exposição, que será inaugurada amanhã para convidados e no domingo para o público, por conta de uma ameaça de pichação.A ação seria promovida pelas mesmas pessoas que picharam a galeria Choque Cultural, no mês passado. A ação dos pichadores está sendo convocada pela internet para ser feita no segundo andar da mostra, que permanecerá vazio durante o evento, e até mesmo em obras.


Manoel Francisco Pires da Costa, Presidente da Fundacao Bienal e o curador Ivo Mesquita

"Estamos esperando esse tipo de ação e tomamos providências para evitá-la. Isso é um absurdo", disse ontem o curador da 28ª Bienal, Ivo Mesquita, na entrevista coletiva de apresentação do evento."Nós sabemos que eles estão convocando gente da periferia da cidade para fazer isso, e essas pessoas não sabem o que elas vão encontrar. Em geral, quem faz esse tipo de ação o realiza à noite, mas aqui eles não sabem no que vão estar se metendo. É um lugar público e que terá muita segurança", afirmou a outra curadora da Bienal, Ana Paula Cohen.Para ela, "o que quem lidera isso quer fazer é aparecer na imprensa. E ele está até mesmo violando um código de ética dos pichadores que é não pichar em cima do trabalho de outros, caso eles venham pichar obras aqui".Em junho passado, um grupo de 40 pichadores fez no Centro Universitário Belas Artes ação semelhante à pretendida na Bienal e à ocorrida na galeria Choque Cultural.
Planta livre
De resto, de acordo com o clima da coletiva de ontem, ao menos entre os curadores e o presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, não há o menor sinal de crise econômica ou moral na instituição."Esta Bienal me satisfaz profundamente", disse Pires da Costa. "Quando digo que há um problema de gestão na Bienal, eu não me refiro ao presidente mas à macrogestão, de como está estruturada a instituição.""Nós aceitamos realizar essa Bienal não por conta de uma crise localizada, mas porque acreditamos que ela tem tido a capacidade de formar profissionais da área, como o Ivo e eu mesma, e pensamos então que o projeto seja em relação às grandes mostras e sua inserção na indústria cultural e no consumo", afirmou Cohen.Já o segundo andar vazio, que marcou todo o debate inicial sobre a mostra, fazendo com que o título Bienal do Vazio se sobrepusesse a "Em Vivo Contato", nome original da mostra, ganhou novo título: agora se chama "Planta Livre"."O vazio foi mal-entendido desde o início. Com ele, queremos discutir o princípio da arquitetura moderna no pavilhão e, como ele está aberto, propostas podem surgir", disse também a curadora.De 41 artistas que tomam parte da mostra --a lista oficial apresenta 42, mas anteontem o brasileiro Rodrigo Bueno retirou-se do evento por discordar da curadoria--, apenas 23 apresentam obras no edifício. Os demais estarão presentes em performances e ações que ocorrerão na praça, localizada no térreo. Ontem, no percurso para a imprensa, não havia ainda nenhuma obra totalmente acabada, o que, contudo, não é incomum nas vésperas de exposições de grande porte. A diferença, entretanto, é que essa não é uma mostra de grande porte.
28ª BIENAL DE SÃO PAULO
Quando: abertura amanhã, às 19h (convidados); de ter. a dom., das 10h às 22hOnde: pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5576-7600)Quanto: entrada franca
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Bienal sofre ataque de 40 pichadores

Estadão - 27/10/2008

No dia da inauguração do evento, prédio sofre ação de vândalos que picharam as paredes do segundo andarNeste domingo, às 19h35, primeiro dia de visitação aberta ao público da 28.ª Bienal de São Paulo, um grupo formado por cerca de 40 pichadores invadiu o pavilhão no Parque do Ibirapuera e pichou parte de seu segundo andar, durante o visitação. Nesta edição da mostra, o segundo piso do prédio foi mantido propositalmente vazio e mesmo antes da inauguração ganhou o apelido de Bienal do Vazio. Os pichadores aproveitaram-se desse fato para no local fazer seu protesto, preenchendo as paredes com frases do tipo: “Isso que é arte.” “Abaixa a ditatura.” “Fora Serra.” Além dos nomes das gangues, como eles mesmo se denominam, Susto, 4 e Secretos.


Fotos: Tiago Queiroz/AEDos cerca de 40 pichadores, apenas uma jovem de 23 anos foi detida. Ela foi levada para o 36º DP, na Rua Tutóia. Houve tumulto no prédio. A ação já estava prevista pela Curadoria e organização do evento, que disseram anteriormente terem tomado providências para que a pichação não ocorresse no prédio. “Entramos pela porta. Normal. Conseguimos. A segurança é merda”, disse a menina detida que não quis se identificar. “É o protesto da arte secreta.” Segundo ela, vários grupos estavam envolvidos na invasão e esta foi uma continuidade das ações de protesto que ocorreram neste ano na Faculdade de Belas Artes e na Galeria Choque Cultural, lideradas pelo artista Rafael Guedes Augustaitiz, o PixoBomb. Virão outras.


Os demais pichadores saíram no meio do tumulto se misturando aos outros visitantes da mostra, quebrando vidros do prédio. E conseguiram escapar. Até que a Polícia Militar chegasse só depois das 20 horas. Os visitantes que estavam dentro do prédio tiveram de permanecer ali e ninguém mais pôde entrar. Segundo o artista Ricardo Basbaum, que estava no local quando ocorreu a pichação, “a Bienal tem de saber lidar com isso”. “É um modo de expressão em estado bruto. Não acho graça. Acho feio, mas é parte da sociedade. E a Bienal tem de estar aberta para a sociedade”, afirmou.


A Bienal lamenta profundamente e repudia o ato de vandalismo e ainda não se sabe o que será feito com as pichações. Não sabem ainda se o piso será pintado ou não. Apesar do incidente, o dia foi de intensa movimentação, com exposição aberta desde as 10 horas. Às 21 horas, foi realizado o show da banda Fischerspooner, com atraso de meia hora.

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Pichadores agora destroem marcos do grafite em São Paulo

TERROR CULTURAL - PICHADORES DECLARAM GUERRA CONTRA GRAFITEIROS

FOLHA DE S.PAULO
terça-feira, 28 de outubro de 2008
LAURA CAPRIGLIONE - DA REPORTAGEM LOCAL
ADRIANO CHOQUE - REPÓRTER-FOTOGRÁFICO

Pichadores dizem protestar contra "caráter comercial" dos grafiteiros, para quem iniciativa é obra de minoria ressentida

Foram danificados painéis da imigração na avenida Paulista, em beco Vila Madalena e no centro da cidade

O "pixo" paulistano, famoso pela tipografia pontuda, de difícil decifração, declarou guerra aos grafiteiros e destruiu no último fim de semana três dos mais importantes marcos do grafite da cidade: o imenso painel em homenagem à imigração japonesa, no "buraco" da avenida Paulista; um beco da Vila Madalena; e um painel do Sesc, na rua 24 de maio, centro.
"Viva a Pixação", o símbolo do anarquismo e referências ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, como "Demasiado Humano" e "Além do Bem e do Mal", foram escritos sobre os trabalhos dos grafiteiros.
"Quisemos protestar contra o caráter comercial e capitalista que tomou conta do grafite", disse um membro do grupo à Folha. Ele também esteve no ataque ao andar vazio da Bienal, domingo, quando cerca de 40 jovens picharam paredes e vidros e trocaram socos e pontapés com seguranças no prédio que foi projetado por Oscar Niemeyer e é tombado pelo patrimônio histórico.


"Atropelo"
Os ataques romperam o acordo que sempre existiu entre pichadores e grafiteiros: o de que um não "atropela" o outro, e vice-versa. "Atropelar", neste caso, significa pintar por cima. "O "pixo" é anarquia, é contestação, é confronto. Estamos em busca do confronto artístico, em contraposição ao conforto da arte decorativa e das galerias", defendeu um.
"Para mim, isso é ressentimento mal resolvido. Coisa de pessoas ignorantes que acabam privando a população pobre do acesso à arte de rua, que está lá, exposta gratuitamente", respondeu um dos mais prestigiados grafiteiros nacionais, que se identifica como "Nunca", 25.
A briga foi ensaiada. No dia 6 de setembro, um grupo de pichadores atacou a Galeria Choque Cultural, uma dentre meia dúzia na cidade de São Paulo que se especializou em trabalhos de grafiteiros.
"O grafite virou mainstream total. É arte domesticada, feita para decorar ambientes que querem se passar por modernos", disse um pichador.
Para ele, os muros de bairros como a Vila Madalena (zona oeste) tornaram-se um show-room a céu aberto das galerias. "Eles grafitam nos muros e os playboys vão às galerias arrematar os trabalhos para levar pras suas casas ou escritórios."
Segundo "Nunca", a ação do último fim de semana é obra de uma minoria, gente muito jovem, que desconhece a história comum de pichadores e grafiteiros. "Eu mesmo comecei como pichador, lá em Itaquera [bairro da zona leste], há 12 ou 13 anos. Sempre houve respeito entre pichadores e grafiteiros. A ignorância é que atrapalha."


Latinhas holandesas
"Nunca" é autor de uma série de grafites sobre índios. Expôs na galeria londrina Tate Modern, com a dupla estrelada da "street art" nacional: Os Gêmeos (nome artístico dos irmãos Otavio e Gustavo Pandolfo, também de São Paulo).
"Nunca" tem trabalhos espalhados por toda a cidade. Vive disso. Saiu de Itaquera e hoje mora no Cambuci (centro). "Mas já pintei muito portão de aço, já fiz muita coisa decorativa", diz.
Este é um problema. "A pichação perdeu seu espaço, porque todo dono de muro ou portão, para evitar o "pixo", acabou contratando um grafiteiro, certo de que assim evitaria nossa ação. E eles se venderam."
Dados da Prefeitura de São Paulo calculam em 5.000 o número de pichadores da cidade, a maioria dos quais vive na periferia. Quem passa pelas imediações da galeria Olido, no centro, pode vê-los trocando "autógrafos" escritos no estilo próprio em papel A4, que são arquivados em pastas.
O preço da pichação já distingue o pichador do grafiteiro. Se os primeiros compram sprays vencidos em lojas de tintas, sempre nacionais, os grandes grafiteiros só trabalham com latinhas importadas. As melhores são da marca Montana, espanholas ou holandesas, de R$ 13 a R$ 20 a unidade. Há trabalhos que usam algumas centenas de latinhas.


TELA SOBRE TELA

"O grafite formou uma panela", afirma pichador

DA REPORTAGEM LOCAL

O pichador F. participou do ataque à Faculdade de Belas Artes, à Bienal e aos painéis dos grafiteiros. Ele defendeu que o chamado "grafite bomb", o ilegal, seja preservado. Abaixo, trechos da entrevista:
"O pichador é marginal. O problema é que o grafite formou uma panela e excluiu todos os demais. O sucesso, inclusive internacional, que o pessoal do grafite obteve subiu à cabeça deles."
"É necessário distinguir arte de decoração. O nosso ataque ao grafite vendido, conformado e comercial não tem nada de pessoal. Estamos apenas reafirmando aquilo que estava na origem mesmo da pichação, ainda nos anos 60: O "pixo" é anarquia e resistência contra todas as formas de poder que encontrar pela frente."
"Nós não temos nada contra o grafite como forma de expressão artística. Por isso, você nunca verá um dos nossos atacando o grafite ilegal, que é o grafite que mantém o espírito marginal."
"Mas isso é completamente diferente dos grafites pintados sob patrocínio da prefeitura ou de empresas. Quem quiser a arte imutável e inatingível, que vá ao museu. O "pixo" reflete a perversidade da metrópole e é perverso com ela." (LC e AC)


"Ataque é coisa de gente ressentida", diz grafiteiro

DA REPORTAGEM LOCAL

"Nunca" atribuiu ao ressentimento os ataques a suas obras, neste fim de semana. Abaixo, trechos da entrevista:
"Foi uma atitude impensada, a desses caras [os pichadores]. Coisa de ignorante. Quando eu comecei a fazer grafite, ainda morava em Itaquera. Eu nunca fiz faculdade. Só estudei em escola pública. Mas não sou ignorante e acho que só é ignorante quem quer. Tem informação à vontade, tem a internet."
"É um absurdo que, em um país com tão poucas oportunidades de acesso à arte, esses caras tenham destruído a possibilidade de um garoto da periferia ver um painel artístico. Eles estão prejudicando a quem? Certamente não é a quem pode comprar arte, viajar e freqüentar museus."
"Isso não é coisa do movimento [dos pichadores] como um todo. É claro que sempre teve pichador que não gosta de grafiteiro, e vice-versa. Mas eu não sou assim. Eu sempre respeitei a pichação até porque comecei como pichador em Itaquera. Depois, fiz trabalho decorativo de portas de aço. Até que cheguei aqui. Foi um longo percurso, sempre dentro do respeito." (LC e AC)
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Bienal adota esquema de segurança após ataque de pichadores

Além de passar por detector de metal, visitante não pode portar mochila.
Mais uma pessoa, um rapaz de 27 anos, também foi preso.

Do G1, em São Paulo

Depois da pichação no segundo andar do pavilhão de Exposições da Bienal, no Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo, a Fundação Bienal de São Paulo e a curadoria da 28ª Bienal de São Paulo decidiram adotar medidas de segurança e de controle do público. A partir desta terça-feira (28), quem for visitar a Bienal não deverá portar bolsas grandes, além de ter de passar por detector de metal, quando solicitado. Quem estiver com bolsa de grande porte, como mochilas, terá de deixá-la no guarda-volumes antes da visitação.O ato de vandalismo foi considerado "criminoso" pelos curadores, que divulgaram nota oficial à imprensa no início desta noite. "O vandalismo causado pela atitude autoritária e agressiva desses jovens representa uma ameaça à constituição de um espaço público coletivo, que respeite a integridade de cada cidadão e o patrimônio material e simbólico da nossa cultura", completa a nota. .A Bienal abrirá normalmente ao público a partir das 10h desta terça-feira, sem qualquer alteração em sua programação. Em seu primeiro dia, um grupo de cerca de 40 pichadores invadiu na noite de domingo (26) o pavilhão no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo, e pichou parte de seu segundo andar - que, nesta edição, está propositalmente vazio.Eles picharam as paredes com as frases: "Isso que é arte", "Abaixa a ditadura", "Fora Serra" (sic). Além dos nomes das gangues, como eles mesmos se denominam, “Susto”, “4” e “Secretos”. Dos cerca de 40 pichadores, apenas uma jovem de 23 anos havia sido detida durante a ação. Ela foi levada para o 36º DP, na Rua Tutóia.Um homem, de 27 anos, também foi preso, horas depois, conforme informações do boletim de ocorrência, divulgado pela assessoria da Secretaria de Segurança Pública. A jovem presa informou aos policiais o telefone de um colega para que ele levasse à delegacia os seus pertences, segundo o BO. A chegar na delegacia, ele foi reconhecido pelas testemunhas e também acabou preso.Um segurança da Bienal foi agredido e registrou queixa por lesão corporal. Nenhuma obra de arte foi danificada. A polícia pediu o isolamento do local para a atuação da perícia.Apesar do incidente, o dia foi de intensa movimentação, com exposição aberta desde às 10h. À noite, foi realizado o show da banda Fischerspooner, com meia hora de atraso por conta do incidente.
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Pichadores da Bienal podem pegar 3 anos de prisão


terça-feira, 28 de outubro de 2008 - Agencia do Estado

Duas pessoas foram identificadas como participantes do ato.
Prédio, pichado no domingo, começou a ser pintado na tarde de segunda.


A Fundação Bienal de São Paulo começou a pintar as paredes de parte do 2º andar do Pavilhão da Bienal, no parque do Ibirapuera, na Zona Sul da capital paulista, na segunda-feira (27), após as estruturas serem tomadas por pichações na noite do domingo (26) , primeiro dia dessa 28ª edição da Bienal. As pichações foram feitas por um grupo formado por cerca de 40 pichadores. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, dois jovens que teriam participado do ataque continuam presos e podem pegar até 3 anos de prisão. Em nota, a Fundação Bienal de São Paulo afirma que a segurança do prédio será reforçada. “Pedimos a gentileza de que os visitantes não venham com bolsas grandes, pois elas terão de ficar no guarda-volumes. Todos os visitantes deverão passar por detectores de metal e, quando solicitados, poderão ser inquiridos sobre pertences metálicos”, diz o texto.A secretaria informou que uma mulher, de 23 anos, e um homem, de 26 anos, devem responder processo por destruição de patrimônio cultural. A polícia já identificou a participação dos dois em um evento semelhante, ocorrido no mês passado: a pichação da Galeria Choque Cultural, em Pinheiros, na Zona Oeste.

Bienal decide apagar as pichações de andar vazio

Terça-Feira, 28 de Outubro de 2008 - Agencia Estado

Anteontem, cerca de 40 pessoas causaram tumulto ao pintar colunas e paredes de área sem exposição

Camila Molina


As pichações realizadas no domingo à noite no segundo piso do prédio da Bienal de São Paulo foram apagadas. A instituição decidiu remover as pichações que tomaram paredes, colunas, muretas e vidros do pavimento totalmente vazio, que integra o projeto curatorial desta edição do evento. Hoje, o público já encontrará as paredes totalmente brancas, repintadas ontem à noite.
Em nota oficial, a Fundação Bienal de São Paulo afirma que a segurança do prédio será reforçada. "Somos obrigados, pelo autoritarismo e violência desses criminosos, a implementar medidas de segurança e controle do público visitante. Portanto, a fim de evitarmos transtornos e embaraços, pedimos a gentileza de que os visitantes não venham com bolsas grandes (mochilas são guardadas obrigatoriamente), pois elas terão de ficar no guarda-volumes. Todos os visitantes deverão passar por detectores de metal e, quando solicitados, poderão ser inquiridos sobre possíveis pertences metálicos."
No domingo, dia de abertura da 28ª Bienal de São Paulo, um grupo formado por cerca de 40 pichadores entrou no pavilhão e, por volta das 19h35, começou a pichar grande área do segundo andar. Seguranças entraram em choque com os pichadores. Uma jovem identificada como Carol, de 23 anos, foi detida pelos seguranças e presa pela Polícia Militar, que chegou ao prédio depois das 20 horas. Enquanto a PM não chegava, o prédio foi fechado: ninguém podia entrar ou sair. Houve tumulto e mais uma pessoa foi detida.
O Estado foi procurado, por telefone, por um dos participantes da ação ocorrida no domingo. "A Carol me ligou do DP e disse que o delegado falou que o crime era inafiançável e talvez ela fosse levada para um presídio", diz Cripta, como prefere ser identificado. Ele afirmou que a pichação na Bienal foi mais um ato do Movimento Além do Bem e do Mal, iniciado em julho com uma ação na fachada e nas dependências da Faculdade de Belas Artes. Depois, em setembro, houve um ataque à Galeria Choque Cultural. "Tudo caiu muito no Rafael (Rafael Guedes Augustaitiz, conhecido como Rafael Pixobomb), por causa da Belas Artes (ele era aluno da faculdade e no dia da apresentação de seu trabalho de conclusão de curso levou pichadores para o local). Mas esse movimento reúne muitas pessoas", afirma Cripta, de 24 anos, morador da zona oeste.
Segundo ele, que esteve na Bienal apenas filmando a ação - o vídeo realizado não será vendido, frisa -, Rafael não participou e foram convocados pichadores de gangues de toda a cidade para invadir a Bienal. Cripta conta que primeiramente "avaliaram o terreno" durante a tarde de domingo e se reuniram às 18 horas na frente do Detran. Entraram em pequenos grupos no prédio. "Foi tranqüilo passar pela segurança. Não ser permitido entrar com bolsa era até melhor para gente, pois colocamos as latas na cintura", revela.
"Essa idéia de pichar a Bienal foi ganhando força com o tempo, com a informação de que o andar estaria vazio. Pichador gosta de desafio e não teria graça se não acontecesse no dia da abertura. Pichação é resistência, ela vai lá, se apropria, não se submete a nada", afirma Cripta. No piso vazio da Bienal, outro grupo, Arac, também colocou stickers, como forma de "invasão".

Bienal de SP começa a apagar as pichações de andar vazio

.terça-feira, 28 de outubro de 2008 - Agencia Estado

No domingo, grupo de 40 pichadores invadiu o prédio e pintou as colunas e paredes de área sem exposição


SÃO PAULO - O Pavilhão da Bienal, um prédio projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, de 101 anos, tombado pelo patrimônio histórico, volta a ter suas paredes brancas, conforme o projeto da 28.ª Bienal de São Paulo - Em Vivo Contato. No domingo, dia da abertura do evento para o público, um grupo de 40 pichadores invadiu o prédio, por volta das 19h35, e começou a pichar uma grande área do segundo piso, mantido propositadamente vazio e com paredes pintadas de branco. Seguranças entraram em choque corpo-a-corpo com os pichadores e o resultado foi um grande tumulto no prédio. Um vidro no primeiro andar foi quebrado durante a fuga dos pichadores, que conseguiram escapar. Só duas pessoas foram presas.


Em nota oficial, a Fundação Bienal de São Paulo e a curadoria do evento lamentaram e condenaram "a invasão e o vandalismo ocorridos no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera. Trata-se de um ato criminoso, previsto em lei, contra um patrimônio público, o edifício da Bienal, o meio ambiente, a área preservada do Parque Ibirapuera". Segundo o comunicado, a segurança será reforçada e "todos os visitantes deverão passar por detectores de metal e, quando solicitados, poderão ser inquiridos sobre possíveis pertences metálicos que estejam portando".

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Com néon colorido, coletivo refaz pichação da Bienal em galeria

27/11/2008 - 09h32

SILAS MARTÍ
da Folha de S.Paulo

Os desenhos dos pichadores no andar vazio da Bienal, apagados por funcionários do pavilhão, vão ganhar uma versão em néon na galeria Casa Triângulo, em mostra aberta nesta quinta.A idéia é dos artistas Eli Sudbrack e Christophe Pierson, juntos no coletivo assume vivid astro focus, que, por acaso, também participa da Bienal --vão levar um carro alegórico ao pavilhão e fazer uma festa de encerramento da mostra."Queríamos fazer uma homenagem às pessoas que questionaram o elitismo da Bienal", conta Sudbrack à Folha. "A pichação foi a melhor coisa que aconteceu naquele prédio, e achamos que ela deveria ter sido mantida lá, não apagada."Sudbrack e Pierson pintaram de vermelho, azul, verde e cinza as paredes do segundo andar da galeria. Numa delas, está uma instalação em néon que reproduz o logotipo usado pelo grupo de pichadores que invadiu a Bienal no dia da abertura. "Nosso trabalho é um protesto contra apagar aquele símbolo, porque o que eles estão pedindo, de fato, é válido", frisa Sudbrack, lembrando a identificação do avaf com a ação espontânea dos pichadores. O avaf, aliás, reclama do conservadorismo das instituições artísticas e também das críticas negativas que costumam receber por não apresentar obras de arte no sentido tradicional -são conhecidos por armar festas em espaços expositivos."Às vezes, arte é só um sentimento, uma vibração ou energia, que não pode ser transformada em objeto", afirma Sudbrack. "O mundo artístico é muito restrito, e essa Bienal tem provocado reações bem violentas dos próprios artistas, que precisam ser abalados."


AVAF
Quando: de ter. a sáb., das 11h às 19h; até 20/12
Onde: Casa Triângulo (r. Paes de Araújo, 77, tel. 3167-5621); livre
Quanto: entrada franca

28ª Bienal de São Paulo naufraga em seu vazio

29/11/2008 - 13h34


FABIO CYPRIANO
da Folha de S.Paulo

"Em Vivo Contato", o nome da 28ª Bienal de São Paulo, com curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen, é um projeto que não aconteceu. Ao invés de uma energia vibrante, como o nome aponta, o que se constata ao longo do pavilhão é um baixo astral geral, fora algumas exceções, como as performances de Joan Jonas e Maurício Ianês.

Marcelo Justo/Folha Imagem
Obra do Artista Carsten Holler, da Bélgica, o escorregador é uma das atrações da 28ª Bienal de SP
Obra do Artista Carsten Holler, da Bélgica, o escorregador é uma das atrações da Bienal

A começar pela praça, no térreo: aquilo que seria um local aberto, um espaço de convívio, manteve-se escuro e desértico, comprometendo a integridade do projeto original. Fora as performances, a praça acabou sendo apenas o local onde caem aqueles que escorregam pelos dutos de Carsten Höller, denominados "Valerio Sisters", a obra que marca, do ponto de vista popular, essa edição, mas que tampouco aborda o valerioduto que marcou as discussões iniciais dessa Bienal. Sintomático, nesse sentido, é que a Bienal que visa problematizar questões institucionais do circuito da arte não tenha propiciado a criação de sequer um trabalho vigoroso sobre a questão. Uma mostra reflexiva sem trabalhos políticos é uma falha grave. Dos eventos que ocorrem na praça, como o show de Fischerspooner ou o espetáculo "Weightless Days", o que se pergunta, afinal, é o que fazem ali, qual sua contribuição ao evento. Nenhuma. Sendo espetáculos comuns, eles poderiam fazer parte da programação de qualquer bom teatro da cidade. O mesmo se pode dizer das aulas de dança da companhia de Ivaldo Bertazzo ou de sua sensacionalista invasão ao prédio. Nem mesmo a "Anarcademia", projeto concebido por alunos de Dora Longo Bahia, que dava certa vida à praça, conseguiu se manter, tendo sua programação cancelada.

Vazio controlado

O andar vazio ou "planta livre", como neutramente se renomeou o segundo piso, é mesmo a grande metáfora da Bienal: um espaço sitiado. Aquilo que era previsto para ser um local de fruição, de potência criativa, tornou-se uma área controlada, onde as pessoas precisam andar de acordo com a orientação dos seguranças, marcados pelo pavor dos pichadores. É absolutamente contraditório, aliás, que no contexto de uma mostra de arte, uma jovem tenha sido presa por usar tinta para pichar o pavilhão. As contradições do evento estão também explícitas na mostra do terceiro andar. Com a pretensão de criar um novo modelo expositivo, sem paredes, sem espaços específicos para cada artista, fugindo do chamado cubo branco, o que se vê no local é outra homogeneização tirânica: a ditadura do mobiliário e do design. Não é à toa que o artista convidado para pensar os móveis, o colombiano Gabriel Sierra, deixou de se apresentar como artista, assumindo o papel de cenógrafo. Essas estruturas expositivas são uma decorrência de um projeto de Cohen denominado "Istmo", durante certo tempo apresentado na galeria Vermelho, numa pequena sala. Entretanto, quando o projeto assumiu a escala de uma Bienal, aquilo que se valia pela experimentação não conseguiu dar conta de um espaço tão grande. Com isso, os artistas que melhor conseguiram apresentar seus trabalhos foram aqueles que escaparam dessa imposição dispositiva. O italiano Armin Link e a finlandesa Eija-Liisa Ahtila, por exemplo, conseguiram espaços onde o visitante pode de fato ter uma relação com a obra, e não ter a impressão que simplesmente se caminha entre estandes da Tok&Stok. Longe do pavilhão, Carla Zaccagnini saiu-se ainda melhor, com seu parque que transforma a energia dos "brincantes" numa fonte de água. Já Dora Longo Bahia, com "Escalpo", um piso com motivos islâmicos que "sangra", propõe uma nova forma de relação com a obra: é sujando-a que ela se resolve. Também se saiu bem Rivane Neuenschwander com seus 24 relógios "zerados" exibidos em várias partes do edifício, aliás, nem tão bem expostos como em outros museus da cidade. É o único trabalho, mesmo assim, que se relaciona com a idéia da suspensão, uma das questões que Mesquita propôs para a realização da Bienal ao defender seu projeto como uma quarentena. Com a mostra, ainda se enfraqueceu aquela que seria a parte central desta Bienal, ou seja, sua vertente reflexiva por meio de debates. Aqui, deve-se observar que talvez o esvaziamento desses encontros seja ainda decorrente da desconfiança do circuito de até que ponto a instituição tem idoneidade para se auto-examinar. Afinal, é impossível separar a curadoria da direção da Fundação Bienal, mesmo que Cohen e Mesquita tenham tentado. No final, todos têm sua parcela no fracasso da Bienal.

28ª BIENAL DE SÃO PAULO - EM VIVO CONTATO
Quando: de terça a domingo, das 10h às 22h; até 6/12
Onde: pavilhão da Bienal (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/5576-7600)
Quanto: entrada franca
Avaliação: ruim

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